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“Quem paga?” por Antonio Adolfo

19 jan

Artigo de Antonio Adolfo* publicado no jornal O Globo em 19 de janeiro de 2009


Ainternet vem implantando um verdadeiro caos no uso da criação artística e intelectual, chegando a representar, em certos casos, usurpação e uma verdadeira ameaça, apontando para o fim do copyright do criador. Uma situação de confusão, sem qualquer regulamentação, que acaba por beneficiar os piratas e alguns sites que oferecem produtos para venda, downloads etc., enfim, os aproveitadores da situação de indefinição, sem qualquer controle.

O discurso sobre a democratização do acesso à cultura, sobre o  compartilhamento de obras etc. é muito bonito, porém é sofismático e extremamente prejudicial para os que criam. Concordamos com o conceito de democratização do acesso à cultura, mas, no nosso caso, os criadores, a questão é: quem irá nos pagar? Prometem-nos exposição, dando-nos uma falsa impressão de que com o ceder de nossas obras iremos conseguir sucesso. Anunciam, como exemplo, que empresas estão liberando suas obras em troca de patrocínio — e nós, criadores, como ficamos? Quem irá nos patrocinar? Governos, provedores da internet, websites, fabricantes dos produtos envolvidos nessa enorme tecnologia, patrocinadores. Quem? Os contratos presets do Creative Commons ainda estão longe de ser uma solução e não servem para os criadores, pois, além de apresentarem falhas, requerem orientação jurídica especializada. Ao mesmo tempo, os grandes provedores da internet não parecem ter interesse em uma regulamentação. E uma cadeia de entidades, tendo numa ponta os grandes provedores e, em outra, os incontáveis seminários propostos no Brasil, por exemplo, com o apoio, do CC, do MinC e da FGV, demonstra estar muito mais a favor dos grandes poderosos da internet do que dos que realmente criam.

Uma regulamentação faz-se urgente. E por que não começarmos usando a nossa Lei do Direito Autoral para tal? Afirmam que nossa lei (9.610) não se adéqua às novas tecnologias. Que não prevê possibilidade de se fazer cópia para uso privado ou de se fazer citação em obra. Outrossim, demonstram cada vez mais estar de olho no domínio público, querendo reduzir mais e mais seu prazo. Claro que a nossa lei apresenta algumas falhas, e que deverão ser corrigidas, mas nunca ninguém foi processado por fazer cópia para uso próprio, nem tampouco por citar pequeno trecho de criação de outro em sua própria criação.

Importante também notar que na música, por exemplo — e também previsto na lei —, não importa que tipo de tecnologia esteja sendo usada, direitos fonomecânicos serão sempre direitos fonomecânicos, e têm de ser pagos aos titulares de direitos autorais, seja por venda física de produtos (fonogramas) ou por venda de downloads, seja para serem tocados em qualquer player (CD, iPod, DVD etc.). Direitos de execução pública serão sempre direitos de execução pública, seja radio, TV, podcasts ou internet, mesmo como música de fundo em websites e, também, têm de ser repassados aos verdadeiros titulares. A lei do direito autoral prevê a sincronização, seja em filme, novela, clipe ou similar da internet, sejam criações compartilhadas. E, acima de tudo, há uma das conquistas mais importantes no âmbito do copyright do autor, e que não podemos abdicar, que é o direito moral, que dá ao titular de direito autoral a capacidade de impedir o uso ou sincronização de sua obra. Baseados nesse direito, autores têm conseguido mover e ganhar processos na Justiça contra usuários (empresas, governos, campanhas políticas etc.) por utilizarem obras de forma inadequada, acabando por prejudicar a criação e a imagem do titular.

Não seria muito mais fácil e justo criar-se, então, uma regulamentação da internet já e usarmos toda a tecnologia e o conhecimento existentes para determinar uma forma de arrecadação e repasse dos direitos do criador, devidamente calculados e controlados, com a principal finalidade de não aniquilarmos de vez com os que vivem de suas criações?

E que, em vez de se proporem contratos presets ou um “liberou geral”, que se estimule a tomada de consciência dos criadores!

*Antonio Adolfo é músico e compositor.