Artigo de Glória Braga publicado no site Music News em 16 de julho de 2010
Em nome de “harmonizar a proteção dos direitos dos autores e artistas, com acesso do cidadão ao conhecimento e à cultura e a segurança jurídica dos investidores da área cultural e a segurança jurídica dos investidores da área cultural”, o Ministério da Cultura pôs em consulta pública uma proposta para criação de uma nova lei de direitos autorais, em substituição à leivigente.
As mudanças são conceituais. Merecem análise atenta de todos os envolvidos no processo cultural. A atual lei centra na figura do criador todas as suas disposições, partindo do princípio de que cabe exclusivamente ao autor decidir sobre as utilizações e modificações de suas criações. São previstas, entretanto, algumas situações de uso nas quais excepcionalmente o autor não pode se opor, tais como a reprodução de obras literárias em Braille, para uso de deficientes visuais. Nada mais justo. O anteprojeto de nova lei muda o foco. Submete e limita o direito do autor-criador aos direitos dos consumidores e da livre concorrência. Ora, não há relação de consumo entre quem cria e quem assiste a um show. Tampouco existe crime contra a concorrência quando músicos se reúnem para a cobrança de seus direitos autorais. Mas, sob o pretexto de fazer melhor fluir um mercado que há muito já se autoregulou, a proposta de nova lei impõe uma série de intervenções e restrições ao exercício do direito dos autores e demais titulares das obras criativas, principais interessados e maiores responsáveis pela difusão da cultura.
Filosofando sobre o novo mundo digital, acredita o Ministério da Cultura que as obras artísticas devem ser reproduzidas, distribuídas e comunicadas ao público livremente e sem qualquer autorização dos detentores de direitos toda vez que os usos sejam “para fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo”. Ora, em que outras tantas situações são usados filmes, músicas, fotografias, textos e esculturas? E mais, a quem pode interessar tanta facilidade de acesso e uso? É lógico, que a primeira resposta ingênua é: aos cidadãos em geral. Mas, é evidente que cabe ao Estado, e não aos autores-criadores, garantir segurança, educação, saúde, alimentação e acesso à cultura. Não consta, por exemplo, que o Ministério da Agricultura pretenda que os plantadores de feijão arquem com a distribuição gratuita de grãos para suprir as necessidades das escolas públicas. Por que então substituir a lei autoral vigente por uma nova que minimiza os direitos dos criadores em nome da difusão e do acesso à cultura? A quem interessa, de verdade, tudo isso?
É crescente o movimento mundial para a mudança das leis autorais vigentes. Assim tem sido, no Chile, Costa Rica, México, Espanha e países do leste europeu. Por trás disso está a sedução dos grandes provedores de acesso e conteúdo, ávidos por música, filmes, artigos informativos e tudo o mais que possa suprir o interesse de milhões de clientes que acessam sem parar as mais variadas páginas virtuais do mundo. Essas empresas, que pregam representar o mundo novo e a modernidade, precisam que os Estados apóiem a expansão de seus negócios, num apelo ao mesmo tempo populista e capitalista selvagem, no qual o Estado agradará o povo e as empresas encherão seus caixas de moedas. Tudo sob o pretexto de facilitar a implantação de novos modelos de negócio, mas de fato em detrimento do sagrado direito dos escritores, compositores, jornalistas-articulistas, criadores em geral, verdadeiros artífices de tudo que já povoa a internet. É preciso ter cuidado, muito cuidado!